20 anos do TREAD Act: o que é, por que ele existiu e ainda é tão relevante para o setor automotivo
É fato que leis e regulamentos governamentais, processos industriais, requisitos técnicos e de marketing impactam diretamente a concepção e, consequentemente, as características de performance dos pneus.
Há exatos 20 anos, ainda sobre os efeitos do fiasco envolvendo Ford e Firestone, resultado de mais de meio milhão de acidentes a bordo do Ford Explorer desde 1992 seguido de um mega recall voluntário de 6.5 milhões de pneus das gamas ATX, ATII e Wilderness AT de 15” por parte da Firestone (e outros 13 milhões recolhidos pela Ford), a NHTSA (Agência Nacional de Segurança dos Transportes dos EUA) decidiu trabalhar em uma lei federal em conjunto com fabricantes de veículos, fabricantes de pneus e órgãos de segurança e de defesa do consumidor que ficou conhecida como Transportation Recall Enhancement, Accountability and Documentation (TREAD) Act, ou Lei de Melhorias na Documentação e Responsabilidade de Recalls no Transporte em tradução livre.
As principais razões apontadas pelo governo americano para regular o mercado de pneus foram os requisitos legais de segurança em vigor na época datarem dos anos 1960 e o mercado já sofrer com um grande descolamento das políticas federais para o meio ambiente ante as políticas implementadas pela comunidade européias.
Desde o primeiro acidente fatal documentado causado pela falha de um pneu, ocorrido em 1899 nos arredores de Londres, chegávamos a cerca de 1.000.000 fatalidades decorrentes de acidentes automotivos a cada ano e havia uma estimativa que este número dobraria em 20 anos, chegando a 2.000.000 mortes, não se levando em conta que cerca de 85% da população mundial ainda não havia tido acesso ao carro até então.
O TREAD Act de 2000 foi uma das únicas, senão a única vez, que vimos no setor automotivo um trabalho muito similar ao que vemos no setor aéreo quando ocorre um acidente, onde buscam-se causas e fatores que culminaram no acidente ao invés de limitar-se à busca por culpados ou em ações pouco ou nada eficazes de prevenção decididas no calor do evento ou da comoção causada.
Em pouco menos de três meses, o TREAD Act conseguiu elaborar, discutir e implementar, entre outras, as seguintes ações: atualizar, aumentando sua severidade, os procedimentos padrão para testes e homologação de pneus, sistemas de alerta para perda de pressão dos pneus, etiquetagem de pneus, relatórios de alertas precoce, procedimentos a serem observados em recalls dentro e fora dos EUA, ações administrativas e cíveis tanto para recalls como para casos de pneus defeituosos ou não conformes, incluindo as penalidades de âmbito criminal.
A NHTSA divulgou um estudo em 2011 dizendo que as ações descritas no TREAD Act custaram cerca de 32 milhões de dólares e salvou, comprovadamente, quatro (sim, 4) vidas, além de prevenir ferimentos em outras 102 pessoas por ano. Em uma conta simples, nos dez anos seguintes à promulgação da lei federal, o custo para se evitar mortes nas ruas e estradas dos EUA foi de pouco mais de 30 mil dólares para cada uma delas.
Claro que não se pode mensurar o valor de uma vida, muito menos “tarifar” o trabalho que inaugurou a era da eletrônica embarcada no setor automotivo e desencadeou uma série de mudanças e programas de prevenções de acidentes como o Decade of Action for Road Safety da ONU, que fundamentou a campanha Action for Road Safety, patrocinada pela FIA (Federação Internacional de Automobilismo), que tem como objetivo salvar 5.000.000 de vidas e reduzir quaisquer acidentes de trânsito em 50.000.000 em todo o mundo entre 2010 e 2020.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, aproximadamente 1.35 milhão de pessoas morrem todos os anos em virtude de acidentes de trânsito no mundo. Outras 20 a 50 milhões de pessoas sofrem ferimentos não fatais nestes acidentes. Lado positivo: estamos longe da previsão de 2 milhões de mortes feita pela NHTSA em 2000 e temos visto evoluções consideráveis no âmbito da segurança viária, tanto nos campos técnico, com o desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias, como no humano, com o entendimento cada vez mais robusto dos fatores que contribuem para um acidente e como podemos mitiga-los.
E daí percebemos o lado negativo: ainda temos um longo caminho a percorrer, pois estamos falando de vidas e todas as vidas importam. Mas certos de que seguiremos em frente, sempre usando capacete e cinto de segurança inclusive no banco traseiro, atravessando na faixa de pedestres, cuidando da manutenção de nossos automóveis e frotas, melhorando as condições de rodagem em nossas ruas e estradas, conduzindo veículos livres da ação de álcool ou outras substâncias entorpecentes e, claro, respeitando o limite de velocidade e o próximo.
Carlos Barcha é especialista em pneus com 20 anos de experiência no setor automotivo, fundador e CEO da The Consulting Business Solutions e, também, Gerente Técnico da Michelin América do Sul. As opiniões e informações aqui expressas são pessoais e não refletem necessariamente o posicionamento destas empresas