A Ford deixou a porta da saída aberta?
Até quem não atua diretamente no setor automotivo soube da saída da americana Ford do mercado brasileiro, com fechamento de suas fábricas em São Bernardo do Campo (SP) e Camaçari (BA). Desde então, uma questão assombra o mercado automotivo nacional: teria a Ford deixado a porta de saída aberta e outras montadoras poderiam segui-la?
Analisando as declarações de praticamente todas as montadoras, investimentos bilionários estão no radar e, assim, uma debandada geral parece ser um devaneio, certo? Bem, voltemos ao caso Ford: tratava-se da montadora que iniciou suas operações no Brasil, em 1919, pavimentando o caminho que depois foi percorrido por General Motors, 1925, Volkswagen, 1953 e FIAT, 1976, formando o grupo que ficou conhecido como o Big-4 brasileiro e que dominou o mercado automotivo nacional até meados dos anos 1990.
É verdade que, em 2020, não tinha mais o mesmo fôlego de outrem, mas ainda era a sexta montadora do país em vendas, com 139 mil veículos de passeio e uma fatia de pouco mais de 7% de participação de mercado. Fora o seguimento de caminhões, onde mantinha percentual ainda maior de participação. E tinha planos futuros: um SUV para substituir o EcoSport, desenvolvido pelo time de Engenharia brasileiro, só aguardava o OK da matriz para sair do papel.
Colocando essas variáveis na equação, anúncios bilionários de investimentos não são garantias inexoráveis de permanecia no país. Investimentos são vitais para a indústria automotiva se atualizar, renovar seus produtos e apresentar novidades em um mercado tão competitivo como o brasileiro. Mas não é de hoje que órgãos como a ANFAVEA alertam que o contexto político e econômico brasileiro torna mais difícil justificar esses investimentos no Brasil junto às matrizes.
Há alguns meses, Carlos Ghosn, ex-homem forte da Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi em uma análise sobre a indústria automotiva nacional para o blog Radar Econômico, da Veja, colocou mais lenha nessa fogueira e cravou que “os mais fracos sairão do Brasil”, complementando que “para competir no Brasil precisa ter uma montadora forte”.
A própria Aliança Renault-Nissan hoje, apesar do quarto posto em vendas, com 190 mil veículos e quase 10% de participação de mercado somando as duas marcas, foi classificada como “fraca” pelo polêmico executivo na ocasião.
Se fizermos uma análise mais profunda veremos uma GM sempre alegando baixa lucratividade das suas operações, o grupo responsável pela JAC Motors no Brasil com dívidas superiores à R$ 1 bilhão, a CAOA com uma dívida de R$ 1.6 bilhões junto ao falido Banco Santos, ao mesmo tempo que seu divórcio litigioso com a coreana Hyundai pode resultar em uma “pensão” de US$ 10 bilhões, o Grupo PSA suando sangue para reverter prejuízos com a operação brasileira, alem da percepção de que há uma excessiva preocupação por parte da classe política em Brasília (DF) com as eleições de 2022, em detrimento da situação da economia real e atual.
No mundo dos negócios, as decisões são tomadas com muito estudo e cuidado, mas com base em números e sem nenhum tipo de paixão. Ghosn e ANFAVEA sabem muito bem disso e já mandaram seus recados…
A Ford, a exemplo do que fez no início do século XX, deixou pavimentada a estrada para a porta da saída, e deixou-a aberta! Resta descobrirmos quem vai percorrê-la e quando.
Carlos Barcha é especialista em pneus com 20 anos de experiência no setor automotivo, fundador e CEO da The Consulting Business Solutions. As opiniões e informações aqui expressas são pessoais e não refletem necessariamente o posicionamento destas empresas.