Como a suspensão da produção e a saída de montadoras afeta o mercado automotivo?
Por Luca Cafici é CEO da InstaCarro, plataforma que realiza a intermediação na venda de veículos
Desde o início do ano até agora, ao menos 10 montadoras de automóveis, caminhões e ônibus anunciaram a paralização da produção de veículos no Brasil em decorrência da crise sanitária ocasionada pelo novo coronavírus. Vale ressaltar que a Ford continuará a comercializar carros no país, porém serão importados dos nossos vizinhos Argentina e Uruguai, e a Audi, que também suspendeu a produção nacional, estuda retornar em 2022.
Infelizmente esse era um caminho que parecia provável. De acordo com dados da Fenabrave, o primeiro trimestre deste ano teve desempenho em vendas de veículos zero-quilômetro bastante reduzido, totalizando 527,9 mil unidades licenciadas – o que representa queda de 5,4% em relação aos mesmos meses do ano anterior. A grande questão não é a comparação direta entre os períodos, mas quanto o mercado reduziu com relação ao último trimestre de 2020: uma queda de 23% no volume de vendas. Isso freou a recuperação do mercado que ocorria desde a metade do ano passado.
Se colocarmos na balança o alto custo para produzir um carro no Brasil versus quanto se está vendendo com o avanço da pandemia no Brasil, veremos cada vez mais outras montadoras saindo do país, em especial as de veículos de luxo, que sofrem diretamente com o aumento do custo de produção devido à alta do dólar.
Conforme as montadoras vão deixando de produzir no país, o mercado fica cada vez mais reduzido, e vão se criando nichos. Se há alguns anos comprar um carro novo era difícil, porém um sonho que poderia se realizar nos modelos populares que ficavam na casa dos R$ 30 mil, atualmente a mesma categoria de veículos se aproxima dos R$ 50 mil, o que acarreta um novo movimento no mercado.
Essa alta nos preços faz com que até quem antes só comprava veículos zero-quilômetro migrasse para os usados. Trazendo o mesmo estudo que citei anteriormente da Fenabrave, em fevereiro deste ano o mercado de usados cresceu 15,1% quando comparado ao mesmo mês do ano passado. Não há grandes saídas: a escolha consciente para o consumidor hoje é partir para os seminovos e esperar o Brasil voltar a um cenário de normalidade para entender quanto tempo demoraremos para ter um mercado de carros novos em alta novamente.
Ao passo que o mercado de novos está em queda, o de usados e seminovos está aquecido. Esse cenário deverá se manter até a produção de veículos ser normalizada e a insegurança causada pelo coronavírus passar, bem como as contratações serem retomadas e a taxa de desemprego melhorar.
Outro fator a se colocar na balança é a questão da concorrência. A falta de players no mercado entrega a quem tem o produto a possiblidade de ofertá-lo pelo preço que quer e não se preocupar tanto em ter o mais competitivo para vencer um rival. Na categoria dita como “de entrada”, vivemos décadas com uma disputa de quatro grandes representantes: Volkswagen, Ford, Chevrolet e Fiat. A Renault remava pelas beiradas e nos últimos 10 anos a Hyundai conquistou o mercado das grandes.
A gama de veículos com preços semelhantes era benéfica ao consumidor, que podia escolher a melhor opção entre X fatores que lhe eram importantes. Com a saída da Ford, o Ka deixou de ser produzido, recentemente a Volkswagen anunciou que o Up! também deixará de ser vendido aqui. Veja só: a concorrência diminuiu, a produção diminuiu e os preços subiram. O prejudicado nessa equação é o consumidor.
Sendo pragmático, se pensarmos no ritmo de vacinação atual no Brasil, que desde o início do ano cobriu um pouco mais de 10% da população, e em como outros países estão voltando às atividades normais aos poucos após a imunização, não consigo prever um reaquecimento desse mercado antes do segundo trimestre de 2022.