Doação no Brasil também paga imposto
Por Carlos Barcha*
Fabricantes de pneus vendem seus produtos e um dos canais usados para tal é o da venda direta. Transportadoras e frotistas estariam repassando um volume excedente de pneus novos, através de revenda sem recolhimento de tributos denunciam alguns, através de doações alegam outros.
Antes de emitir juízo de valor sobre a audiência pública realizada na CAE do Senado Federal na semana passada, precisamos entender melhor a definição das operações e termos envolvidos, além de tentar associá-los à regra tributária em vigor no país.
Denomina-se venda direta a comercialização de produtos em um ambiente não varejista, locais que não sejam uma loja física. Essa venda elimina intermediários envolvidos na distribuição, como atacadistas e centros de distribuição regionais. Doação, ou cessão gratuita de bens ou mercadorias, é a transferência gratuita de um bem, móvel ou imóvel, direito ou valor pertencente ao patrimônio de uma pessoa para o patrimônio de outra pessoa, sejam elas física ou jurídica.
De acordo com a legislação vigente do ICMS e do IPI, a venda ou saída de produto ou mercadoria de estabelecimentos comercial ou industrial configura o fato gerador desses impostos, não levando em consideração o motivo da respectiva saída. A única exceção admitida pela legislação do ICMS são as doações efetuadas a entidades governamentais ou entidades assistenciais, reconhecidas como de utilidade pública, para assistência de vítimas de calamidade pública decretada por ato de autoridade competente.
Como a legislação tributária brasileira é caótica e eu não sou contador ou tributarista, ficaremos apenas com as informações acima e que nos ajuda a abordar o tema discutido no Senado Federal.
Conforme a matéria do 54PSI, a Abrapneus denuncia que empresas de transporte estariam utilizando pneus novos como parcela de pagamento de fretes para caminhoneiros autônomos sem nota fiscal de venda. Durante a audiência pública, lamentou-se que os fabricantes de pneus não controlem a quantidade de pneus vendidos.
A posição da ANIP é clara e, a meu ver, coerente: quem fabrica pneu, quer vender pneu e precisa vender pneu. Se a venda foi feita respeitando a legislação em vigor, pouco importa o canal utilizado e não é mais responsabilidade do fabricante o que será feito daquele produto. Uma vez pago, ele é do comprador.
E aqui está o ponto chave: o comprador. Por mais que a empresa de transporte tenha adquirido o direito sobre o bem adquirido, como vimos acima, até doação gera tributação!
Independentemente de a denúncia ser comprovada ou não – e mesmo que as alegações sejam corretas, é importante esclarecer que a simples comprovação de doação efetuada a entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, mediante recibo da donatária, não é suficiente para tornar a despesa dedutível, pois caso a entidade beneficiada não se enquadre e nem atenda às condições descritas anteriormente, a doação se tornará indedutível como despesa operacional da empresa doadora.
Ou seja, além de haver uma única exceção para o recolhimento do ICMS, por exemplo, recomenda-se para que as empresas doadoras solicitem às donatárias cópias dos documentos e atos legais que comprovem a condição de entidade filantrópica, e sem fins lucrativos, sob pena de ter problemas também com o Imposto de Renda.
Não é o objetivo deste artigo entrar no mérito da audiência pública, mas alertar que, mesmo quando se tem intenções louváveis e idôneas, existe o risco – grande – de ferir alguma legislação tributária brasileira. Não são raros as dúvidas e os problemas fiscais e tributários que montadoras fabricantes de pneus e empresas de transporte têm que enfrentar durante suas operações regulares.
O fato é que a solução para eventuais incidentes tributários está longe de passar pelo controle ou limitação da venda primária. Já existem dispositivos para fiscalização fiscal e de concorrência desleal que devem ser reforçados e não criados controles adicionais e redundantes que, invariavelmente, afetam negativamente a eficiência do setor.