Nem tanto aos fósseis, nem tanto aos elétrons
Por Carlos Barcha*
Foi durante a Conferência sobre Mudanças Climáticas realizada na COP21 de Paris, em 2018, que se deu início aos embates entre a União Europeia – que colocou 2035 como ano limite para a produção de veículos com motores a combustão, e montadoras e países como Itália, Portugal e Romênia – que tentam adiar essa data.
E aqui vale um esclarecimento, já que pouco se repercute um detalhe de extrema importância para essa discussão: a proibição refere-se ao tipo de combustíveis e não ao tipo de motor.
Além de uma desconfiança sobre as reais intenções até então, uma vez que o parceiro principal da conferência em 2018 era a Nissan, então com um agressivo plano de marketing para divulgação do elétrico Leaf, um entendimento parcial do tema fez o veículo elétrico ficar no centro da discussão que se arrasta até os dias atuais, muito por conta da origem “suja” da energia para esses veículos.
E com o amadurecimento das regras para a proibição do uso de combustíveis fósseis em motores a combustão interna, uma série de outros fatores mostraram-se altamente desafiadores, inclusive para mercados menos maduros e estruturados que invariavelmente receberão as novas gerações de plataformas globais de veículos, invariavelmente elétricas.
Autonomia dos veículos, tecnologia das baterias, infraestrutura de carregamento, velocidade de carregamento, comportamento dos usuários, tratamento de resíduos e descarte ecologicamente correto… a lista é longa e não haverá respostas únicas para cada uma dessas questões para cada mercado onde um projeto 100% elétrico estará rodando. É por isso que, como sempre, a melhor resposta a um problema complexo não está nos extremos, mas no meio termo.
Uma ação recente que passou desapercebida pela maioria – e até mesmo por amantes do automobilismo – foi a comemoração aos 30 anos do título do inglês Nigel Mansell no GP da Inglaterra de Fórmula 1. No final de semana do GP, o piloto Sebastian Vettel deu algumas voltas com a Williams FW14B, o carro “de outro planeta” que assombrou o circo no início dos anos 90 com um nível de eletrônica embarcada imortalizado pela suspensão ativa.
A solução encontrada para fazer o nostálgico ronco do potente Renault V10 ecoar pelas retas do histórico autódromo inglês certamente é uma opção a ser considerada em mercados onde a eletrificação representa investimentos ou desafios muito acima da capacidade de governos e montadoras em superá-los. Vettel já é conhecido por suas iniciativas em prol da sustentabilidade e do meio ambiente. Através da iniciativa Race Without Trace, algo como “Correr sem Deixar Rastros” em tradução livre, o desafio era andar com um F1 original de 1992 de forma totalmente sustentável.
E o objetivo foi alcançado utilizando-se um combustível neutro em carbono. A clássica solução “meio termo”!
Produzido pela empresa alemã P1 Fuel, o combustível neutro em carbono é obtido a partir de resíduos de origem animal e vegetal que, através do uso de energias limpas, são processados na forma de biocombustível. Soma-se ao processo a energia derivada da captação de CO2 da atmosfera e a eletrólise de água não potável para, em laboratório, converter essa massa no combustível renovável 100% livre de elementos fósseis e com emissão de CO2 equivalente à quantidade utilizada na fabricação.
Esse tipo de combustível, inclusive, passou a ser utilizado no WRC, o Mundial de Rally chancelado pela FIA este ano e antecipa o que pode ser a solução que será empregada pela Fórmula 1 a partir de 2026, em desenvolvimento pela própria categoria em conjunto com o novo regulamento técnico de motoros híbridos demandados pela organização. Nota de rodapé: a Fórmula E, categoria de monopostos 100% elétricos, tem um contrato de exclusividade para propulsão 100% elétrica com a FIA válido até o final de 2038, o que inviabiliza um motor 100% elétrico na Fórmula 1 até pelo menos 2039!
Voltando à solução existente de combustível neutro em carbono, hoje, o maior empecilho para a sua popularização nos veículos atuais com motores à combustão interna é o preço por litro. Sebastian Vettel disse ter pago a bagatela de € 5,95 por um litro do combustível usado na Williams FW14B, contra os atuais € 2,21 e € 1,87 por litro de E95 na Inglaterra e na Alemanha, respectivamente.
O impacto de custo assusta, já que falamos de algo acima de 3x no preço por litro. Por outro lado, o impacto técnico para a utilização do combustível neutro em carbono é, basicamente, desenvolver calibrações que permitam os atuais motores a combustão interna trabalharem com ele, nada diferente do que já acontece quando um motor europeu vai ser utilizado no Brasil, por exemplo.
Ao se comparar com os custos derivados dos investimentos em infraestrutura e o desenvolvimento de plataformas 100% elétricas, acredite, chega a ser irrisório. Se excluirmos da equação ESG o marketing e o greenwashing, fica difícil entender, defender e sustentar essa sanha por eletricidade que estamos vivendo.
Que a mobilidade elétrica pode ter papel relevante na mobilidade do futuro, isso é inquestionável e já é um caminho sem volta, mas certamente não poderia ser alçada ao papel de protagonismo fundamental logo de cara. Como eu venho dizendo há anos, a eletrificação é apenas uma parada no meio da nossa viagem de desenvolvimento da mobilidade do futuro. Nunca foi, é ou será o ponto final dessa incrível e excitante jornada.
* Carlos Barcha é especialista em pneus com mais de 20 anos de experiência no setor automotivo e criador do Método Barcha