Qualidade não significa carro bom ou ruim
Por Carlos Barcha*
Recentemente, o YouTube recomendou na minha timeline um vídeo onde, em tom de revolta, é divulgada notificação da Secretaria Nacional do Consumidor, órgão atrelado ao Ministério da Justiça, para a Toyota.
De acordo com o vídeo, a notificação deveu-se a “diversas acusações da imprensa… e dos consumidores”. Motivo: a eventual qualidade inferior do Toyota Corolla Cross brasileiro em relação ao modelo de mesmo nome vendido no mercado norte-americano.
Antes de entrar no mérito do que é classificado como “gambiarras” da montadora nipônica, uma rápida pesquisa no Google mostrou que, a despeito do significado de qualidade no dicionário, praticamente nenhum consumidor ou jornalista dito especializado sabe, de fato, o significado de qualidade.
O termo (não adjetivo) qualidade é usado para definir um dos conceitos mais conhecidos e difundidos na indústria mundial: o 5S. Implantado no Japão pós-guerra nos anos 1950, é utilizado em diferentes setores industriais brasileiros desde os anos 70 e é composto por 5 passos essencialmente muito simples. Seu objetivo é desenvolver os comportamentos fundamentais para a melhoria contínua: organização, ordenação, limpeza, manutenção e disciplina.
Aqui está a primeira confusão generalizada: o desenvolvimento da qualidade obtida é a melhoria contínua de um processo ou serviço, ou seja, fazer a mesma coisa sempre do mesmo jeito com a máxima eficiência. Resumindo: ter qualidade. Observe que, em nenhum momento, o termo qualidade é atrelado a um produto classificado como bom ou ruim, uma vez que são conceitos subjetivos e variam de pessoa para pessoa.
Com isso em mente, podemos abordar corretamente a polêmica criada em torno do Corolla Cross. Vamos começar com o nome do veículo: quem afirmou que o Toyota Corolla Cross produzido para o mercado norte-americano é oriundo da mesma variação de projeto que gerou a versão brasileira?
A diferença de combustível que existe entre os mercados europeu, norte-americano e brasileiro já faz essa conta começar no 3… condições de rodagem e perfil de utilização fazem a equação ser quase exponencial e invariavelmente complexa!
Um ponto que me incomodou demais no vídeo acima citado foi a indignação referente à supressão do conceito multi-link na suspensão traseira e do acionamento elétrico do freio de estacionamento. Talvez seja um fato desconhecido de muitos, mas a Chevrolet fez a mesmíssima coisa quando criou a variante do projeto do Cruze brasileiro sem o tal multi-link, já que a versão original Opel possuía o conceito… e não se viu uma nota sequer nos releases da imprensa.
Se formos “dedurar” aqui todas as montadoras que, em diferentes graus, abrem mão de conceitos, acessórios e níveis de acabamento quando nacionalizam seus projetos para mercados emergentes não ficaria uma de fora!
Ao resumir a discussão em se ter mais ou menos qualidade, presta-se um desserviço aos consumidores. Você pode dizer que a Toyota é muito menos competente que a Chevrolet, e é mesmo, ao ajustar uma suspensão projetada com braços multi-link sem esse conceito. Mas em hipótese nenhuma pode-se afirmar que aquilo que foi projetado não está sendo fabricado, sendo o produto bom ou ruim para o mercado.
O CONTRAN e o Inmetro possuem portarias e normas que ditam regras claras para a classificação e a certificação de carros, peças e acessórios. O Código de Defesa do Consumidor tem muito bem definido quais as obrigações legais e contratuais para as empresas venderem seus produtos e serviços.
Espera-se da imprensa especializada apontar de forma técnica e imparcial a gritante diferença entre modelos de carros vendidos no Brasil e seus homólogos nos mercados europeu e norte-americano para ajudar o consumidor a fazer escolhas razoáveis para a sua realidade e cobrar melhorias na nossa legislação para que esse abismo tecnológico fique cada vez menor.
* Carlos Barcha é especialista em pneus com mais de 20 anos de experiência no setor automotivo e criador do Método Barcha