Quase 200 anos de inovações e reinvenções para ser 100% reciclado e reciclável
Foi a partir dos experimentos de Charles Goodyear com uma goma “grudenta” nos anos 1830 que, de forma até acidental em 1843, o processo de vulcanização permitiu que o pneu como o conhecemos hoje tomasse suas formas básicas e iniciasse sua jornada de conduzir uma sociedade em pleno despertar, contribuindo decisivamente no aumento da segurança e do nível de conforto dos carros, através da patente dos irmãos Michelin em 1845.
Ao longo destes quase 200 anos de vida, muita coisa mudou, vem mudando e vai mudar ainda mais!
Em 1847, o inglês Robert William Thompson instalou uma câmara de ar dentro dos pneus de borracha maciça, dando início à era dos pneumáticos de borracha. Em 1888, o escocês John Boyd Dunlop ganhou a batalha legal contra Thompson e ficou marcado na história como o principal responsável pela expansão do transporte terrestre com a aplicação do seu pneu com faixas incorporadas à sua estrutura, conhecido como pneu diagonal, em automóveis e bicicletas.
O primeiro pneu de avião foi lançado em 1906, equipando o 14-Bis de Santos Dummont em seu vôo pelo Parque Bagatelle de Paris. O negro de fumo, componente responsável pela característica cor preta dos pneus, foi introduzido pela BFGoodrich Company em 1910, aumentando drasticamente a vida útil dos pneus. Pneus para caminhões foram anunciados pela Goodyear e Dunlop em 1919 e, em 1946, a Michelin lança o primeiro pneu radial, que dispensa o uso de câmaras de ar e no ano seguinte, em 1947, a Goodyear foi a primeira a utilizar o nylon na estrutura dos pneus. Já a Pirelli introduziu o pneu radial largo em 1974 e a tecnologia de zero grau na lona de nylon em 1978.
Embora a estrutura do pneu tenha passado por mudanças menos impactantes nas décadas seguintes, os constantes avanços na área de materiais e novas tecnologias de fabricação fazem o pneu continuar evoluindo até hoje, combinando cerca de 200 tipos diferentes de matérias-primas e compostos de borracha numa mistura única de química, física e engenharia e vislumbrando um futuro onde teremos um pneu totalmente reciclado e reciclável e renegar o papel de grande vilão ambiental recebido, com toda a razão, ao longo do século XX.
Os pneus acabaram se tornando um passivo ecológico altamente poluidor na segunda metade do século passado devido ao descarte inapropriado e presença de elementos nocivos como enxofre, óleos aromáticos e demais aditivos em sua composição.
Dados compilados do Departamento do Trabalho de Michigan e da OICA, Organização Internacional dos Construtores de Automóveis sugerem que mais de 8 bilhões de pneus foram produzidos entre 1959 e 2000. De acordo com um estudo da Universidade de Vrije, na Holanda, em 2000 produzia-se mais de 730 milhões de pneus novos (mais de 2 milhões de pneus por dia) e, neste mesmo ano, 800 milhões de unidades tornaram-se sucata em todo o mundo.
Somente no Brasil, em 1993, os 17 milhões de pneus velhos e fora de uso correspondiam a 0.5% do lixo urbano brasileiro. Até então, a reciclagem e reaproveitamento de pneus limitava-se à recauchutagem, proteção de construções à beira-mar e reaproveitamento energético, em fornos de cimento, usinas termoelétricas e na indústria de papel e celulose e cal.
As pouco mais de 30 mil toneladas processadas em 1999 no Brasil não dariam conta de uma produção local preparada para atingir mais de 50 milhões de unidades anuais antes de 2005. Graças às políticas ambientais e de proteção do meio ambiente, somadas à novas técnicas de reciclagem e reaproveitamento de pneus velhos e uma nova mentalidade da sociedade, tomaram corpo no país uma série de programas voltados ao recolhimento de pneus inservíveis e sua correta destinação e, de 1999 até hoje, estima-se que mais de 5.23 milhões de toneladas de pneus, o equivalente à 1.04 bilhões de pneus de automóveis, deixou de poluir as cidades brasileiras.
Agora, além de reaproveitamento energético e uso tímido na construção civil, pneus inservíveis contribuem na fabricação de artefatos de borracha, pisos industriais e tapetes de automóveis, são adicionados à massa asfáltica melhorando a qualidade e segurança das rodovias e são usados na fabricação de solas de calçados e dutos de águas pluviais.
Na outra ponta, os fabricantes seguem abandonando o uso de materiais e elementos nocivos ao homem e ao meio ambiente na fabricação do pneu, desenvolvendo novos materiais em linha com os desafios de sustentabilidade, a fim de permitir que o pneu deixe de uma vez por todas a pecha de passivo ambiental e passe a colaborar de forma decisiva para um mundo ecologicamente correto e sustentável.
Quando o pneu chegar em 2045 aos seus 200 anos de vida, é possível sim que ele já tenha se tornado 100% reciclado e reciclável, sendo protagonista e continuando sua saga de conduzir a humanidade rumo a sua evolução.
Carlos Barcha é especialista em pneus com 20 anos de experiência no setor automotivo, fundador e CEO da The Consulting Business Solutions e, também, Gerente Técnico da Michelin América do Sul. As opiniões e informações aqui expressas são pessoais e não refletem necessariamente o posicionamento destas empresas