Um novo papel para o pneu na concepção de veículos
Por Carlos Barcha , especialista em pneus com 20 anos de experiência no setor automotivo, fundador e CEO da The Consulting Business Solutions e, também, Gerente Técnico da Michelin América do Sul. As opiniões e informações aqui expressas são pessoais e não refletem necessariamente o posicionamento destas empresas
É fato que o setor automotivo vive uma profunda transformação e caminha em direção à virtualização, que é a utilização de simulações e de modelos virtuais no desenvolvimento de novas arquiteturas e veículos. O exemplo disso é a aplicação cada vez maior dos conhecimentos adquiridos por anos no esporte a motor, estimulados ao máximo por regulamentos restritivos como o da Fórmula 1® atual, em projetos de veículos que não serão, necessariamente, superesportivos.
Neste caminho sem volta, o pneu destaca-se como uma personagem que vive entre o amor e o ódio dos fabricantes de veículos. Isso se deve pelo fato de o pneu ser uma das únicas peças do carro onde a concepção, o projeto, a fabricação, o desenvolvimento e a homologação competem exclusivamente aos fornecedores, ficando a montadora restrita ao papel de validação de todo este trabalho.
Também, é a única peça cujo logo e marca do fornecedor é aparente no veículo, contribuindo para a sua estética ao mesmo tempo em que permite a boa concepção de outras peças de interface no chassi, impondo os níveis de prestação do carro.A participação da montadora ainda existe, principalmente nas fases de desenvolvimento e de homologação do pneu, mas pouco, ou nada, ela pode fazer em virtude dos níveis de complexidade e de confidencialidade que envolvem o pneu. Isto contribui para que o pneu seja considerado – em várias montadoras – apenas como uma peça de design, tendo sua influência na arquitetura do veículo minimizada ou, ainda, erroneamente desprezada.
E neste cenário onde a simulação ganha cada vez mais relevância, a maneira como se aborda o pneu em um desenvolvimento precisa ser completamente revisto. Não só aqueles que relegam o pneu apenas ao estilo deverão aceitar que virá dali dados fundamentais para conceber a suspensão ou ajudar a dimensionar corretamente os sistemas de direção e freio, por exemplo, como também aqueles fabricantes mais maduros, que já trabalham com alguns parâmetros do pneu nas fases de concepção, deverão elevar ainda mais o nível de suas atividades para se manterem na vanguarda.
Não estamos falando apenas da redução de custos ou de cronogramas, mas de uma revolução no processo de concepção, que antecede o envolvimento dos diversos fornecedores em um projeto.
Os fabricantes de pneus já estão aptos a trabalhar com modelos virtuais, ficando a dúvida de quando a maioria das montadoras orientadas para o Time2Market (aquelas que buscam o menor tempo possível entre o início de um desenvolvimento até seu lançamento) passarão a trabalhar com modelos virtuais completos de carros. E, por sua vez, os fabricantes de pneus estão prontos não apenas para a discussão sobre submissões virtuais, mas para contribuir com as fabricantes de veículos para se desenvolver modelos capazes de as ajudar a encarar e vencer – os desafios da nova mobilidade e dos novos regulamentos ou legislações.
Esta transformação que estamos vivenciando no setor automotivo necessita de uma forte evolução de processos, onde o modelamento virtual e a simulação de componentes são pilares da solução.
São maneiras disruptivas de concepção de veículos, e consequentemente de pneus, com alto valor agregado por conta da mitigação de riscos ao longo do desenvolvimento e melhores níveis de prestação, resultando no incremento da relação custo x. benefício para toda a cadeia, incluindo o consumidor final.